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15.04.2024 Farmacologia

Pesquisa sobre peptídeos é promissora para tratamento da obesidade

Nova classe de moléculas desempenha funções importantes na regulação do organismo, da divisão celular ao gasto energético

Imagem: Christina Victoria Craft/Unsplash

Uma nova categoria de pequenas moléculas que flutuam às centenas no interior das células, chamadas peptídeos intracelulares (InPeps), intriga os pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desde que foram identificadas, há mais de duas décadas, no laboratório do farmacologista Emer Ferro, do Instituto de Ciências Biomédicas.

Apesar de parecerem proteínas minúsculas — com 10 a 20 aminoácidos — estudos iniciais indicaram que muitos deles desempenham funções importantes na regulação de diferentes aspectos do organismo, da divisão celular ao gasto energético. 

Em testes com camundongos, alguns desses peptídeos tiveram resultados iniciais promissores contra doenças como glioblastoma, um câncer cerebral agressivo e sem tratamento, e obesidade, que já atinge cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo e é considerada uma das mais graves epidemias da história, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Embora mais estudos sejam necessários para entender o efeito desses peptídeos no corpo, um deles já vem sendo comercializado. Lançado no ano passado nos Estados Unidos e em janeiro no Brasil, o Pep19 é um suplemento alimentar que, de acordo com testes em camundongos, estimula a redução de medidas corporais, diminuindo o diâmetro das células de gordura, os adipócitos.

Dois estudos publicados nas revistas científicas Scientific Reports, em 2017, e na International Journal of Molecular Science, em 2022, indicaram ligeira perda de peso em animais que comeram alimentos gordurosos junto com o produto, comparada aos que receberam a mesma dieta sem o suplemento. 

“O Pep19 atua diretamente nas células de gordura, iniciando uma cascata de reações químicas que estimula a conversão de gordura em energia”, diz a cientista molecular Andrea Heimann, diretora de tecnologia da Proteimax Bio Technology, empresa sediada no Brasil e em Israel, que produz o Pep19, e é coautora dos artigos de 2017 e 2022. 

De acordo com Heimann, o suplemento diminuiu os níveis de glicose no sangue e a resistência à insulina, que dão origem à diabetes, e a gordura do fígado, que dá origem à esteatose hepática.

“É como se o peptídeo reprogramasse o metabolismo dos animais para começar a perder peso”. 

Por estar presente em baixas concentrações nos alimentos, o Pep19 foi classificado como um suplemento alimentar pela Agência de Alimentos e Medicamentos (FDA), nos EUA, e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

No entanto, sua finalidade principal não é a nutrição, mas a regulação de processos bioquímicos do organismo. Ao contrário de outros suplementos do gênero, como a curcumina, suas moléculas não são degradadas no trato intestinal, pois são muito pequenas e são absorvidas pelo organismo.

A Proteimax afirma que começou a fazer ensaios clínicos no ano passado, com um grupo de 25 voluntários, para verificar se o Pep19 tem o mesmo efeito em pessoas com sobrepeso ou obesidade. “É uma amostra pequena, mas os resultados foram animadores, sendo similares aos que observamos nos camundongos”, relata Heimann.

De acordo com ela, a amostra será ampliada e vai incluir um grupo controle para comparação, que não vai tomar o suplemento.

O endocrinologista Simão Augusto Lottenberg, do Hospital das Clínicas (USP) e do Hospital Albert Einstein, avalia que essa é uma abordagem nova e que deve ser investigada, mas ressalta que é necessário fazer testes mais variados. “Além da dieta rica em gorduras, é preciso testar outros tipos de alimentação, como a dieta rica em carboidratos”, observa o médico.

Segundo Lottenberg, os estudos precisam levar em conta os diferentes fatores que afetam a obesidade, como a genética, o ambiente, as variações de dieta e o nível de atividade física. Considera ainda que, além dos estudos clínicos, seria útil fazer testes em outras espécies de animais.

“As causas da obesidade variam muito de pessoa para pessoa. O que ajuda um paciente nem sempre serve para outro”, argumenta Lottenberg.

Ressalta ainda que é preciso entender melhor o mecanismo de ação do peptídeo e como cada tipo de obeso reage a ele. “Muitos produtos para perda de peso já foram lançados prometendo ótimos resultados e depois se mostraram pouco eficazes”, pondera. 

Ladeira acima  

A ausência de efeitos colaterais nos testes de segurança apresentados à FDA e à Anvisa é a principal vantagem do Pep19, segundo a Proteimax. Os medicamentos contra obesidade costumam ser criticados por seus efeitos colaterais, que já levaram alguns deles a serem retirados do mercado. 

Um dos casos mais famosos é o do Rimonabanto, lançado no Brasil em 2007, que diminui acentuadamente a gordura abdominal e melhora diversos parâmetros metabólicos. Sua comercialização foi proibida no mesmo ano, quando estudos indicaram maior risco de transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão, e de suicídio. 

O Ozempic, nome comercial de um medicamento em forma de caneta indicado para diabete tipo 2 e que ajuda a perder peso, é composto por um peptídeo com 31 aminoácidos, chamado semaglutida. Ele é semelhante ao hormônio peptídico humano GLP-1, que ajuda a manter o equilíbrio da glicose do sangue, mas provoca enjoo, mal-estar e problemas intestinais.

Além disso, há indícios de que cause perda de musculatura, o que atrapalha o tratamento, já que os músculos gastam mais energia do que outros tecidos, ajudando o corpo a queimar gordura. 

Apesar dessas limitações, Lottenberg enfatiza que os medicamentos são necessários. “A obesidade é uma doença, e a maioria dos obesos precisa tomar remédio pela vida toda”. Para ele, os riscos e benefícios devem ser avaliados em cada paciente. 

O endocrinologista lembra ainda que a perda de musculatura é comum, e às vezes inevitável, quando a pessoa perde gordura, devido ao déficit calórico das dietas. “É algo que os profissionais de saúde devem tentar minimizar com exercícios e suplementos alimentares, e controlando a medicação e a dieta para que o peso não diminua tão rapidamente”, recomenda. 

Perder peso é difícil porque o metabolismo humano, que evoluiu em tempos de escassez, adaptou-se por meio de mecanismos que ajudam a economizar calorias. Armazenar gordura com mais eficiência ajudava a suportar períodos mais prolongados sem comida.

Por outro lado, aproveitar ao máximo a energia acumulada, queimando menos gordura em momentos de atividade intensa, aumentava as chances de sobrevivência. 

Lottenberg acrescenta que perder peso envolve também mudanças de comportamento, o que leva tempo. “Essa é uma das partes mais difíceis do tratamento”, diz ele. 

Pequenos, mas funcionais

Os InPeps são resultado da quebra de proteínas dentro das células, sendo que uma única proteína pode dar origem a diversos InPeps. Sua existência foi demonstrada em 2003, quando a equipe de Emer Ferro, da USP, verificou que um InPep chamado hemopressina baixava a pressão arterial de camundongos de forma expressiva, comprovando sua função biológica. 

“A função dos InPeps é regular o equilíbrio do corpo, a chamada homeostase”, ressalta Ferro.

De acordo com o pesquisador, as proteínas, que desempenham as mais variadas funções no organismo, não agem sozinhas. Elas se agrupam em conjuntos que chegam a 80 proteínas para exercer importantes funções no organismo.

Ferro mostrou que os InPeps também regulam as interações entre as proteínas e, portanto, podem regular diversos aspectos do funcionamento do organismo. 

“A principal contribuição de Ferro foi ter demonstrado que os InPeps têm função biológica”, disse ao Science Arena o farmacologista molecular Lloyd Fricker, da Escola de Medicina Albert Einstein, em Nova York, que colabora com Ferro.

Segundo Fricker, muitos cientistas na época acreditavam que os InPeps não tinham função e seriam eliminados rapidamente do corpo. “Hoje, sabemos que o potencial dos InPeps para dar origem a novas drogas é enorme”.

“O mecanismo de ação dos InPeps é diferente de outras classes de peptídeos, e cada um deles têm uma função específica no organismo. Centenas de InPeps já foram identificados por diferentes grupos de pesquisa, mas poucos foram testados”, explica Fricker.

Ele afirma que as pesquisas na área não avançaram tanto quanto esperava porque as agências de financiamento relutam em investir em ideias realmente inovadoras. “Meu laboratório buscou financiamento para estudar InPeps, mas não conseguiu”, conta o pesquisador dos EUA.

A falta de investimento atrapalhou a continuidade de pesquisas sobre peptídeos que mostraram potencial para novos tratamentos. Em 2014, a bióloga Christiane Araújo verificou que o Pep5 era capaz de reduzir em 50% o volume total do glioblastoma de ratos.

Araújo ganhou o prêmio de inovação da Sociedade Brasileira de Farmacologia, patenteou o achado e publicou artigo com os resultados na revista Journal of Biological Chemistry

Hoje, a Proteimax busca parceiros para retomar as pesquisas com o glioblastoma, usando um peptídeo modificado a partir do Pep5.

A empresa foi criada por Ferro em 2001, como uma opção para que os egressos de seu laboratório pudessem continuar fazendo pesquisas que gerassem inovação. “O mundo dos InPeps é enorme. Caberiam dezenas de empresas como a Proteimax no Brasil”, afirma Heimann.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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