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20.02.2024 Saúde Pública

Racismo, baixa escolaridade e condições de moradia aumentam risco para morte por Aids

Estudo com 28,3 milhões de brasileiros revelou o impacto dos determinantes sociais de saúde na mortalidade causada pelo vírus HIV

De acordo com pesquisa, há risco maior de infecção e morte em pessoas negras, além de relação direta entre níveis de renda, habitação e educação na incidência e mortalidade pelo HIV | Foto: Vinícius Marinho/Fiocruz Imagens

Um estudo retrospectivo com 28,3 milhões de brasileiros, acompanhados ao longo de nove anos (2007 a 2015), revelou o impacto dos determinantes sociais de saúde (DSS) na morbidade e na mortalidade pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), na camada mais pobre da população. Os dados foram compilados do Cadastro Único (que centraliza informações de beneficiários de programas sociais) e do Ministério da Saúde.

Os resultados da avaliação foram publicados na revista The Lancet Regional Health – Americas. Até onde se sabe, esse foi um dos maiores e mais compreensivos estudos dos efeitos dos DSS em doenças infecciosas. 

Os pesquisadores, de instituições científicas da Bahia, Reino Unido e Estados Unidos, mostraram que existe um risco consideravelmente maior de infecção pelo vírus e de morte em pessoas negras, além de uma relação direta entre níveis de renda, de habitação e de educação na incidência e mortalidade por Aids. Fatores geográficos também tiveram peso significativo.

“A baixa renda pode caracterizar limitações socioestruturais de recursos e estar fortemente relacionada à exclusão social e insegurança alimentar, potenciais barreiras ao diagnóstico precoce, iniciação ou aderência ao tratamento retroviral”, escrevem os autores do estudo.

De acordo com eles, existem ainda evidências de que a pobreza, além de associada ao risco de HIV, está relacionada ao acesso reduzido a tratamentos e piores desfechos entre pessoas vivendo com HIV/Aids.

Os resultados revelam forte correlação entre o nível educacional e os desfechos da Aids analisados.

Observa-se que os analfabetos têm 46% mais risco de terem Aids e 176% mais risco de morrer por conta da síndrome, quando comparados com pessoas com nível superior de educação. 

O analfabetismo aumenta o risco de fatalidade em 130%. Não ter completado o ensino fundamental aumenta essa taxa em 104%. 

Isso acontece devido a fatores que vão desde acesso, compreensão e habilidade de agir diante da informação (formas de se prevenir, importância da testagem e tratamento), até ao acesso à assistência médica. 

Impactos do racismo estrutural

Fatores raciais também têm impacto na mortalidade. Pessoas negras apresentaram um risco 53% maior de terem Aids e 69% maior de uma morte pela doença do que os que se identificaram como brancos ou descendentes de asiáticos.

“Em países de alta renda, a incidência de mortalidade é maior entre pessoas negras”, afirmam os autores da pesquisa. 

Esse risco mais alto, dizem, é considerado uma consequência do racismo estrutural, incluindo desigualdades raciais no acesso e qualidade dos serviços de saúde, “uma vez que não há evidência de que fatores genéticos tenham peso na infecção.”

Os pesquisadores ressaltam que o racismo estrutural no Brasil também se manifesta em piores habitações, trabalhos mal pagos e condições injustas de trabalho, perpetuando desigualdades raciais e submetendo essa população a piores desfechos relacionados ao HIV. 

Em si, as piores condições de habitação também estão relacionadas à maior incidência da doença e à mortalidade. 

Curiosamente, regiões do país com maior desenvolvimento e infraestrutura (como Sul e Sudeste) além de áreas urbanas, foram associadas a uma carga maior de HIV/Aids. 

De acordo com os autores, ainda que tenham mais acesso a serviços de saúde e informação, as grandes cidades também têm outros fatores que podem contribuir com uma maior morbidade por HIV/Aids.

Por fim, beneficiários do programa Bolsa Família por cinco anos ou mais tiveram menos chances de ficarem doentes ou de morrerem em decorrência da Aids. 

“Isso pode ser efeito da redução da pobreza ocasionada pelo programa federal de transferência de renda e das condicionantes para receber o benefício, como a necessidade de acompanhamento em serviços de atenção primária à saúde e o comparecimento de crianças e adolescentes à escola”, observam os pesquisadores. “Isso traz as famílias para perto dos serviços que fazem o diagnóstico e as ações de educação em saúde.”

Os autores concluem que, sem a implementação de intervenções significativas para melhorar os determinantes sociais de saúde, especialmente programas de proteção social, “há um risco do atual aumento das taxas de pobreza e vulnerabilidades sociais – por fatores como a pandemia de Covid-19, a guerra na Ucrânia e a inflação global – reverter progressos feitos na luta contra a Aids nas últimas décadas.”

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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