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16.11.2023 Oncologia

Variantes agressivas do HPV

Bióloga Laura Sichero, do Instituto do Câncer de São Paulo, fala sobre variante do HPV com alto potencial de causar câncer

Ilustração: Shutterstock

Muito por causa da variabilidade genética presente na população brasileira, uma equipe de pesquisadores de São Paulo conseguiu dar um passo importante na tentativa de desvendar quais são as variantes do papilomavírus humano (HPV) que podem estar mais associadas a tumores. Ainda na fase da pesquisa básica, o trabalho pode, no futuro, ajudar no desenvolvimento de tratamentos contra o câncer.

Dados científicos atualizados mostram que 15% de todos os tumores investigados no mundo estão associados a agentes infecciosos. Os vírus da hepatite B, causadores de tumores no fígado na grande maioria das vezes, são os mais presentes nas análises. Outro microrganismo frequentemente identificado nas amostras é o HPV, relacionado ao câncer de colo do útero, mas também com tumores em outras partes do corpo, como orofaringe, vagina, pênis e ânus. 

“Sabe-se que 5% dos tumores humanos são causados por HPV. Trata-se de uma porcentagem alta”, avalia a bióloga Laura Sichero, coordenadora do Laboratório de Biologia Molecular do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).

Dedicada a investigar a relação entre o HPV e o câncer, a pesquisadora é autora de estudos como um publicado na revista Viruses em 2021, que identificou uma variante do HPV-18 (papilomavírus humano tipo 18) com maior potencial para favorecer o desenvolvimento de câncer. O trabalho foi vencedor da 13ª edição do Prêmio Octavio Frias de Oliveira na categoria “Pesquisa em Oncologia” em 2022.

De acordo com Sichero, existem mais de 200 tipos de HPV descritos na literatura, com diversas variantes que sofrem pequenas mutações genéticas ao longo do tempo.

O principal resultado da pesquisa coordenada por Sichero é que, do ponto de vista epidemiológico, a variante A1 do HPV-18 tem mais risco de gerar câncer em mulheres do que a variante B1. O HPV-18 é um dos grandes causadores de adenocarcinoma, tipo de tumor maligno que surge no tecido epitelial glandular da endocérvice uterina.

Para chegar aos resultados, o grupo liderado por Sichero criou um modelo celular que simula a infecção persistente de HPV, condição necessária para que o tumor se desenvolva. Por meio da comparação de várias propriedades entre células tumorais e normais (como, por exemplo, capacidade de migrar, se replicar e invadir outros tecidos do corpo), é que os cientistas conseguiram identificar a variante mais agressiva.

Atuando há mais de duas décadas nessa linha de pesquisa, Sichero fez doutorado sobre o vírus HPV nos anos 1990, com orientação da bióloga Luisa Lina Villa, na Universidade de São Paulo (USP). Na entrevista a seguir, Sichero fala sobre a evolução dos estudos sobre HPV e câncer.

Laura Sichero, do Icesp: “Quando temos a variante mais oncogênica nos ensaios funcionais e, depois, constatamos a associação com um maior risco de uma infecção persistente, percebemos que estamos avançando no enfrentamento do problema” | Foto: Arquivo Pessoal

Science Arena – Quais são as grandes mudanças da pesquisa sobre HPV e câncer nos últimos 20 anos?

Laura Sichero – Quando comecei a fazer pesquisa, nos anos 1990, a gente sabia que havia uma variabilidade genética no caso do HPV na população. A distribuição geográfica era distinta e, por isso, as diversas variantes estavam espalhadas pelos continentes. Contudo, naquela época, não imaginávamos que essa variação estaria associada aos riscos de doenças e a todas essas diferenças funcionais que passamos a identificar. É muito satisfatório ver todos esses avanços. Quando comecei, essa linha de pesquisa estava na fase da infância.

Como essas pesquisas estão sendo desenvolvidas no Brasil, onde existe uma variabilidade genética muito grande na população?

Devido à migração e à presença de europeus, africanos e asiáticos no país, temos aqui variantes de HPV de todos os ramos filogenéticos. Isso ajuda na cobertura de toda a diversidade que o vírus pode ter.

Com certeza, em termos epidemiológicos, a situação brasileira é importante para os nossos estudos, pois nos fornece uma gama bastante ampla para desenvolver análises capazes de contemplar uma grande variabilidade genética.

Do ponto de vista científico, o que mais te fascina nessa linha de pesquisa?

A parte mais interessante é quando realmente conseguimos observar que existe uma correlação entre o HPV e o câncer. Ou seja, você analisa as células e percebe que determinada variante é que levou aquela célula a desenvolver características mais oncogênicas, em comparação com outras variantes também estudadas.

Há ainda a correlação positiva com os casos clínicos, em pacientes. Quando temos a variante mais oncogênica nos ensaios funcionais e, depois, constatamos a associação com um maior risco de uma infecção persistente e o desenvolvimento da doença, percebemos que estamos avançando no enfrentamento do problema e, quem sabe, colaborando para solucioná-lo em breve.

Quais são os próximos passos daqui para frente?

Estamos ainda totalmente na fase de pesquisa básica. Ciência é assim, a gente descobre dez coisas e surgem trinta dúvidas novas. Estamos agora analisando quais são as vias de sinalização bioquímicas que são disparadas pelas diferentes variantes de HPV-18 e, a partir disso, poderemos identificar alguma proteína que possa virar alvo terapêutico no futuro.

Quando comecei, pensei que não estaria viva para a ver a vacina contra o HPV ser usada de forma tão importante e eficaz como é aplicada atualmente. Hoje, é possível desenvolver vacinas em uma velocidade absurdamente rápida, e de forma totalmente segura, como a pandemia de Covid-19 nos mostrou.

Na nossa área, a melhora nas metodologias de sequenciamento genético e nos ensaios disponíveis para avaliação das características das células tumorigênicas fez com que as pesquisas avançassem muito.

Você é coautora de um estudo publicado em junho, no The Journal of Infectious Diseases, sobre a infecção por HPV-16 em homens. Do que se trata essa pesquisa?

O estudo analisou homens dos Estados Unidos, do Brasil e do México, com o objetivo de avaliar a prevalência das variantes do HPV-16, um dos tipos do vírus. Caracterizamos variantes do HPV-16 em 753 homens e em 22 lesões genitais externas de 17 homens. A prevalência do HPV-16 diferiu por país e estado civil.

No geral, 90,9% dos participantes tinham variantes da linhagem A do HPV. A prevalência de linhagens não-A foi heterogênea entre os países. Variantes da linhagem A do HPV-16 estavam associadas a um risco 2,6 vezes maior de infecções persistentes de longo prazo em comparação com linhagens não-A. Todas as neoplasias intraepiteliais penianas de alto grau abrigavam variantes da linhagem A e ocorreram no contexto das mesmas variantes de infecções persistentes de longo prazo.

Concluímos que a prevalência e a persistência das variantes do HPV-16 observadas na genitália externa masculina sugerem diferenças entre a história natural da variante deste tipo de HPV entre homens e mulheres. Isso pode estar associado a diferenças intrínsecas do epitélio genital infectado.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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