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01.03.2024 Cardiologia

Terapia gênica contra cardiomiopatia hipertrófica

Estudos pré-clínicos demonstram o potencial de uma intervenção única para silenciar alelos patogênicos e prevenir desenvolvimento da doença

Apesar de rara, a cardiomiopatia hipertrófica pode ser bastante grave, uma vez que aumenta o risco de insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral (AVC) e parada cardíaca | Foto: Kiko Ferrite/Einstein

A terapia gênica é uma frente de pesquisa promissora no tratamento cardiomiopatia hipertrófica, doença genética que causa o espessamento e a rigidez das paredes do ventrículo esquerdo e fibrose miocárdica, dificultando o bombeamento de sangue pelo coração.

Apesar de rara (acomete 1 em cada 500 adultos), a doença pode ser bastante grave, uma vez que aumenta o risco de insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral (AVC) e parada cardíaca. Medicamentos e tratamentos ajudam a reduzir os sintomas, mas os avanços para a cura ainda são poucos.

Um artigo de revisão publicado no final do ano passado no Canadian Journal of Cardiology sugere que, a despeito dos avanços recentes, a aplicação de terapias gênicas para tratar cardiomiopatia hipertrófica ainda é muito incipiente, encontrando-se em fase de desenvolvimento inicial.

O trabalho ainda recomenda que, uma vez concretizadas as promessas da terapia gênica, o esforço científico deve se concentrar na ampliação do acesso ético e equitativo a este tipo de tratamento.

De acordo com os autores do estudo, as principais terapias disponíveis para cardiomiopatia hipertrófica são intervenções no estilo de vida do paciente, terapias médicas e procedimentos de intervenção – entre eles o transplante cardíaco.

A terapia gênica contribuiria ao se concentrar na modificação de células, por meio da transferência de ácidos nucleicos ou ribonucleicos. Seu alvo, portanto, é o mecanismo molecular da doença.

A revisão mostra que, até julho de 2023, existiam 26 terapias gênicas aprovadas em diferentes partes do mundo, enquanto outros 2.075 estudos estavam em fase de desenvolvimento.

Estudos dedicados a doenças cardiovasculares, porém, representam uma pequena parcela: apenas 55 do volume total de terapias em desenvolvimento. Destas, apenas 12 se encontravam em testes clínicos.

Um destes estudos mais avançados foi descrito em artigo publicado na revista Nature Medicine por pesquisadores de instituições dos Estados Unidos e da Alemanha. O grupo avaliou duas terapias gênicas, obtendo resultados animadores. Os testes foram feitos em camundongos.

O alvo da pesquisa é um alelo específico da miosina (R403Q), proteína que está relacionada a filamentos musculares e contrações. De acordo com o estudo, este alelo pode ser silenciado e, para isso, foi testado um editor da base adenina (ABE8) e a enzima Cas9 entregue por vírus (AAV9).

Os pesquisadores celebraram o fato de que, nos experimentos, uma única dose para corrigir essa mutação foi efetiva – e, mais importante, duradoura.

“Uma dose de vetores AAV9 duplos, cada um carregando metade de ABE8 e guiado por RNA, corrigiu a variante patogênica em mais de 70% dos cardiomiócitos ventriculares e manteve estrutura e função cardíacas estáveis ​​e normais”, escreveram os autores.

Segundo eles, isso significa que a correção genética permanente de todos os cardiomiócitos (100%) não foi necessária para que houvesse benefícios.

“Demonstramos uma eficiente e durável edição de base in vivo de uma variante patogênica de nucleotídeo. A correção de 70% foi suficiente para prevenir as características morfológicas, histopatológicas e moleculares da cardiomiopatia hipertrófica em camundongos”, concluíram.

Metodologia da pesquisa

Os pesquisadores estudaram partes dos tecidos cardíacos ventriculares em microscópio para verificar o impacto da edição gênica e confirmaram a prevenção da fibrose cardíaca.

No estudo, foram utilizados camundongos com diferentes mutações que permitiram a comparação com pacientes da doença. No caso dos roedores usados como teste (não tratados pela nova técnica), parte desenvolveu a hipertrofia ventricular com 20 a 25 semanas de idade, e parte em 8 a 10 semanas – estes últimos, para simular casos de pacientes com desenvolvimento fulminante da cardiopatia.

A dose de tratamento foi injetada na cavidade torácica nos animais com idade entre 10 e 13 dias. Depois de confirmada a efetivação da edição, a função cardíaca foi estudada por ecocardiografia até o sacrifício, entre 32 e 34 semanas.

A ecocardiografia in vivo realizada após 8 semanas mostrou danos em todos os animais não tratados. Já o coração de camundongos tratados, seja na morfologia ou função, não mostrou indício de problemas.

Pelo contrário, os camundongos tratados permaneceram indistinguíveis dos camundongos saudáveis usados para comparação ao longo das 32 semanas de duração do estudo.

Os dados também indicaram que, com a edição do gene alvo, praticamente nenhuma alteração ocorreu em tecidos extracardíacos. Os testes foram feitos para verificar o potencial de dano celular especialmente em pulmões e fígado.

“A arquitetura das células pulmonares e hepáticas permaneceu normal e sem maior crescimento de células inflamatórias”, informaram os autores do estudo publicado na Nature Medicine.

De acordo com ele, a avaliação sorológica de fígado, enzimas, bilirrubina e globulinas também foram normais. No entanto, como o tratamento é dependente da dose, mais estudos precisam ser feitos para traçar a melhor faixa de benefícios sem riscos.

Possibilidades para o futuro

O desenvolvimento desta linha de tratamento para corrigir variantes patogênicas tem potencial clínico considerável para curar cardiomiopatia hipertrófica e outras doenças cardíacas também relacionadas a fatores genéticos.

“Estabelecemos janelas terapêuticas, riscos e oportunidades em um modelo mamífero para editor de base e intervenções de nuclease Cas9 para prevenir cardiomiopatia hipertrófica. Pode ser a base para curar cardiomiopatias”, afirmaram os autores.

É importante ressaltar que a edição de genes não causou resultados adversos. No entanto, mais estudos longitudinais são necessários, especialmente em animais maiores a fim de confirmar a viabilidade destas intervenções precoces – assim como aquelas feitas em linhagens de células humanas para caracterizar riscos a longo prazo.

Entre os resultados do estudo, observou-se que uma dose de vetores corrigiu a variante patogênica e manteve estrutura e função cardíacas duráveis e normais. Uma dose adicional, porém, trouxe resultados ligeiramente diferentes, sendo necessária a confirmação da melhor dose para o balanço entre risco e benefício.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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